Os evangélicos e a renovação geracional

Por João Gualberto e Ana Carolina Andrade

Jovem evangélica.

O presente artigo é o último de uma série que escrevemos, especialmente, para nossa coluna sobre o fenômeno evangélico no Brasil. Todos eles foram estruturados a partir de duas pesquisas sobre o comportamento político deste público em particular, realizadas pela Gualberto & Gualberto nos municípios da Grande Vitória sob a coordenação de Ana Carolina Andrade. A primeira, de caráter qualitativo, foi executada entre os meses de julho e dedicou-se à escuta, em longas entrevistas, de 50 lideranças, estudiosos, pastores e fieis de diferentes denominações e tradições evangélicas. Já a segunda, de caráter quantitativo, ouviu 812 evangélicos dos municípios de Vitória, Serra, Cariacica e Vila Velha entre o final de agosto e início de setembro.

Tais pesquisas nos permitiram elucidar muitos elementos que compõem o imaginário evangélico brasileiro nesse início de século XXI. Sobretudo nos permitem afirmar,  sem medo de errar, que jornalistas, intelectuais e membros das elites brasileiras costumam ver esse segmento com muito preconceito. Os tratam como se fossem teleguiados e pessoas não dotadas de senso crítico e, ainda, tomam as figuras dos pastores midiáticos como se fossem e representassem a totalidade do “Povo de Deus”.

Outra coisa que vimos de perto é que os setores evangélicos neopentecostais são formados por uma base popular, fortemente influenciada pela chamada “Teologia da Prosperidade”. Isso os torna muito ligados ao mundo do trabalho duro e que será recompensado por Deus, afastando-os da política de favores, que marca a tradição política brasileira. Hoje, estes setores estão mais próximos da direita pela aversão à corrupção, ao assistencialismo e, na pauta de costumes, pela defesa da família tradicional.

O empreendedorismo, por sua vez, é a marca das igrejas de “Parede preta”, como Bola de Neve, Lagoinha, Batista Atitude, Missão Praia da Costa e outras. São igrejas voltadas para um público mais jovem e de classe média e classe média alta, materializam o desejo de prosperidade com ações concretas. Aqui o evangelho auxilia no processo de desenvolvimento individual e a relação com o enriquecimento é positiva, afinal, todos têm direito de desfrutar dos bens criados por Deus.

O que queremos mostrar com esses achados é que os evangélicos estão ajudando o Brasil a encontrar um caminho de prosperidade em valores, baseados numa releitura da velha Reforma Protestante. São os caminhos da sociedade brasileira e que precisam ser melhor compreendidos e estudados.

Hoje, queremos nos deter nas questões geracionais que dizem respeito a esse universo, uma vez que as novas gerações, em nossos estudos, parecem apontar para algumas mudanças. Se a face típica do evangélico já é feminina, negra e jovem, ao analisarmos, especificamente, os evangélicos de 16 a 24 anos, podemos vislumbrar alguns movimentos interessantes: estão mais “desigrejados”, é um público que frequentou menos outras religiões e têm posicionamentos – na política e nos costumes – menos conservadores.

Na pesquisa quantitativa feita pela Gualberto & Gualberto na Grande Vitória, 13,6% dos 812 evangélicos entrevistados possuíam 16 a 24 anos. Deste total, 40,19% não é membro ou está congregado a nenhuma igreja, sendo que a média geral foi de 24% de “desigrejados”. Se 34,7% dos evangélicos já foram de alguma outra religião no decorrer da vida, este número cai para 17% quando se trata dos jovens entre 16 a 24 anos.

Lula (PT) recebe orações de lideranças evangélicas.

No que diz respeito aos posicionamentos, os jovens têm maior adesão à candidatura de Lula (PT) – 19,9% declararam voto nele na questão estimulada – e rejeição à candidatura de Jair Bolsonaro (PL), onde 21,22% disseram não votar nele de forma alguma. Além disso, são mais favoráveis a temas como a legalização das drogas – a concordância total ou parcial é de 7%, porém, nesta faixa etária este valor sobe para 15% – e a defesa dos direitos da população LGBTQIA+, das mulheres e dos negros (60,56%, frente a 52,1% do total geral).

Esses indícios apontam para uma renovação geracional no meio evangélico, que poderá ocasionar, a longo prazo, modificações relevantes em termos de comportamento, costumes e também políticos. Compreender este contexto não é tarefa fácil, mas soma-se aos desafios do exercício de uma leitura sobre os evangélicos que se distancia de preconceitos, visões totalizantes e monolíticas.

Artigo publicado originalmente no Jornal ES Hoje, no dia 27 de setembro de 2022.

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