Prefeituras e Câmaras municipais: como reinventar o poder local?

Por João Gualberto

Quando as prefeituras capixabas onde se exploram petróleo, sobretudo no mar, começaram a receber royalties pagos pela utilização de seus recursos não renováveis, creio que nas décadas finais do século passado, eu imaginei que a operação não melhoria o futuro daquelas regiões, que era o objetivo do legislador. Minha impressão sempre foi que isso dificilmente ocorreria, ou melhor, que o poder local nessas cidades fosse capaz de construir e implementar uma visão de futuro, para quando o petróleo terminasse.

Meu raciocínio é simples. A sociedade local e o poder regional precisavam estar envolvidos nas discussões de alocação de recursos. Os empreendedores, como agentes de desenvolvimento, deveriam ser ouvidos sobre a destinação dos recursos, de forma a permitir que a sociedade pudesse projetar suas necessidades nas questões de desenvolvimento político, econômico e social. Não só os empreendedores privados, os empresários, mas também os empreendedores sociais, os atores sociais relevantes e a sociedade como um todo.

Entregar essa massa de recursos à gestão das prefeituras e câmaras municipais – que são as instituições formais que constituem o poder local no Brasil – era simplesmente ampliar o caráter assistencialista da maioria dessas instituições. Promover uma espécie de assistencialismo turbinado, onde as máquinas partidárias e eleitorais ampliariam os seus meios de produzir favores. Essa máquina de fazer favores morre com o fim de seu financiamento pela exploração do petróleo. Qual foi então o benefício mais estrutural, mais profundo, mais duradouro?

Na verdade, a sociedade brasileira precisa discutir melhor a lógica política de seu poder local. Quando os portugueses aqui chegaram no século XVI, já implantaram para gerir os territórios incorporados ao império lusitano, as Câmaras de Vereadores. A Câmara de Vitória existe desde o século XVI –há quase cinco séculos, portanto – e é a instância de decisões políticas mais antiga do Espírito Santo. Promoveu nesses muitos anos de existência eleições periódicas e foi o epicentro de decisões fundamentais para a ilha. O mesmo raciocínio pode ser ampliado para todos os municípios brasileiros à medida em que foram sendo constituídos.

Entretanto, a gestão moderna dos territórios está a exigir uma modernização na estrutura do poder local e está a demandar uma ampliação dos interesses representados no processo. O exemplo dos royalties é providencial. Sua gestão restrita a uma elite tradicional e descolada das demandas da sociedade moderna nos faz mal. Muito mal. A comunidade comum europeia resolveu essa questão há muito tempo. As pequenas cidades têm conselhos de gestão, ou conselhos comunitários. São espaços com dezenas de lideranças dos vários segmentos que compõem os territórios. Eleitos, são uma demonstração da importância das personalidades para o poder local. Não são remunerados, não têm dezenas de assessores, têm participação mínima no orçamento.

Precisamos pensar em um modelo que faça sentido para a nossa sociedade. Precisamos começar a qualificar o poder local, a discutir melhor as políticas de desenvolvimento. Enfim, substituir essas discussões ideológicas que tomaram conta do nosso sistema político por algo que faça mais sentido e que produza mais benefícios para toda a sociedade. 

Artigo publicado originalmente no jornal A Gazeta no dia 25 de março de 2023.

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