Por João Gualberto e Maria Vitória Rodrigues
A trajetória da sociedade brasileira não é propriamente democrática. Antes, somos um país que nasceu marcado pela forma cruel como os colonizadores europeus trouxeram para cá seus preconceitos e classificações sociais. O próprio sentido da colonização era o de conquistar os novos mundos e submeter os seus, até então, únicos moradores.
Para tornar viável seu sentido de colonização e de submissão foi inventada uma nova forma de escravização. No mundo antigo já haviam escravizados, todos sabemos. Várias passagens bíblicas tratam do assunto – envolvendo até mesmo o povo hebreu – e registram que a escravização era consequência de guerras entre os povos. Essas guerras eram constantes, e as grandes obras da antiguidade foram todas construídas por esses povos subjugados.
A nova escravização criada com os chamados “grandes descobrimentos”, que foram na verdade a anexação das terras de outros continentes pelos emergentes estados nacionais europeus, teve um caráter diferente. Ele se apoiou, no caso brasileiro especificamente, na submissão a trabalhos forçados e a maus tratos de uma forma muito ampla, de indígenas e povos africanos. Nossa construção nacional implicou na desconstrução da autonomia dos povos originários e também na chamada diáspora africana.
Por esses mecanismos sociais de dominação, os africanos que chegaram ao Brasil foram submetidos a completa perda da sua liberdade e autonomia. Não eram tratados sequer como seres humanos dotados de alma, de vida espiritual, de vestígios de humanidade e respeito por suas culturas ancestrais. A mesma coisa se passou com os que aqui estavam. Também foram escravizados, humilhados e sujeitos a um ritmo de trabalho, que em nada dizia respeito aos seus costumes tradicionais.
Estamos com isso dizendo que a construção dos primórdios de nossa construção como sociedade autônoma e democrática se deu em imensas condições de desigualdade. Os descendentes dos conquistadores acabaram por impor seus princípios organizativos e culturais. Isso é uma marca de nossa sociedade até hoje.
As ameaças recentes que nossa democracia sofreu mostram que ela precisa de ser fortalecida. Seu fortalecimento só se dará quando amplos setores populares forem capazes de serem defensores de seus princípios. É preciso radicalizar nossos princípios democráticos. A maioria da população, justamente as descendentes desses povos excluídos durante séculos, não sentem os benefícios da democracia que temos. É fato que a vida do povo mudou pouco com o fim da ditadura para a maioria. Porém, continuamos a ter maus serviços prestados pelo estado, estando imersos em desigualdades, inclusive de tratamento social.
Uma democracia brasileira só será forte se estiver enraizada em amplas bases sociais. Só será forte se for capaz de distribuir benefícios àqueles que vivem ainda excluídos nas regiões marginalizadas, onde o estado de direito democrático ainda não chegou. Onde milícias e a guerra do tráfico nos moldes em que está montada é uma ameaça constante à paz de todos. É por isso que é preciso radicalizar a democracia para torná-la forte e popular, permeando todos os territórios e proporcionando acesso a todos os seus benefícios.
Artigo publicado originalmente no jornal ES Hoje no dia 09 de junho de 2023.

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