Michelle Bolsonaro e o feminismo de direita

Por João Gualberto

A luta das mulheres que produziu o chamado feminismo sempre foi um ideal das esquerdas. Desde o final do século XIX, quando essa pauta ganhou muita importância nas lutas políticas, tem sido assim. Nos anos 1960, foi enorme a visibilidade das atitudes ligadas ao maio de 1968, seja nas ruas de Paris ou nas manifestações contra a Guerra do Vietnam, nos Estados Unidos. De luta em luta, e com a liberdade de escolhas que foram conquistadas, surge uma mulher mais emancipada e autônoma. Nas décadas que se seguiram, muitos outros elementos somaram-se às conquistas iniciais no mundo ocidental, até chegarmos a situação de construção da progressiva autonomia que temos hoje.

Entretanto, algo de novo surge nesse mundo. É a organização das mulheres conservadoras ou das mulheres de direita. Há, sim, nesse movimento, um desejo de emancipação, de representação política, mas de outra ordem. Mais contido, mais tradicional, dentro das normas da família, como é concebida, sobretudo, no mundo cristão. Quem melhor espelha essa nova forma de expressão social é a ex-primeira-dama, Michele Bolsonaro. Dona de uma sensualidade recatada, casada com o estereótipo acabado do homem tradicional brasileiro, ela se comporta como uma líder ao seu estilo. 

Michele Bolsonaro não tem um discurso claramente político, com os temas mais afeitos ao universo masculino. Antes, pelo contrário, tem viajado pelo país com um discurso leve, falando de temas mais afeitos às típicas mães de família brasileira e as esposas ligadas à fé cristã. Gosta de criticar a atual primeira-dama – aliás, alvo preferencial da direita brasileira – como forma de contrapor dois estilos. O estilo da ex-primeira-dama tem muitas defensoras e fãs entusiastas, que lotam seus eventos.

Com a inelegibilidade de seu marido, Michele abriu um poderoso guarda-chuvas de proteção a toda a família Bolsonaro. Assumiu a presidência do PL Mulher, cargo remunerado criado especialmente para ela, e tem feito incansáveis viagens por todo o Brasil. Nelas, Jair Bolsonaro é presença constante, embora sempre de forma, digamos, periférica, quase casual. São aparições rápidas, com discursos de baixa intensidade agressiva, para não contrastar com a verdadeira dona do espetáculo.

Na verdade, ela vem realizando milhares de afiliações de mulheres ao PL Brasil afora. Está criando uma rede de relacionamento partidário que certamente produzirá forte efeito eleitoral no próximo ano. Além disso, Jair Bolsonaro aproveita sua estadia em vários estados brasileiros para aprofundar contatos com pequenas e médias lideranças das igrejas evangélicas, de pré-candidatos aos governos e legislativos municipais, em 2024. A intenção, parece-me, ser a de agir o mais discretamente possível, evitando enfrentamentos e discursos cheios de ódio. Tudo precisa ter um tom mais leve, mais cristão. Creio que tem todas as chances de produzir bons resultados e muitos votos. Assim, sem que a maioria dos analistas preste muita atenção, a direita vai se organizando no mundo feminino. Nesse novo feminismo conservador, que, de quebra dá uma boa carona a nova estratégia de sobrevivência dos Bolsonaro. Michele poderá crescer nessa estratégia. 

Artigo publicado originalmente no Jornal ES Hoje, no dia 27 de novembro de 2023.

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