Tempos difíceis

A engenharia do caos é um dos maiores desafios políticos do século XXI, onde as redes sociais alimentam ideologias extremistas e moldam o futuro das democracias.

O início do século XX tem muito o que nos ensinar em termos políticos, afinal foi quando começaram a surgir os movimentos conservadores de massa na Europa. O mais denso deles foi o nazismo, na Alemanha, sob a direção de Adolf Hitler. Não menos importantes foram o fascismo na Itália, o salazarismo em Portugal e o franquismo na Espanha. Estou citando apenas alguns que chegaram ao poder em nações muito importantes. Outros tantos deram o tom que permitiu o avanço do nazismo, como na França, por exemplo. 

Os partidos conservadores de massa surgiram e foram ganhando importância na cena política nos anos 1920 em países como França, Alemanha e Itália. Naquele momento não se poderia imaginar a importância que alcançariam, muito menos que viriam a produzir a Segunda Grande Guerra Mundial, de trágicas consequências, com enorme destruição e milhões de mortes.  

Já o movimento conservador mais recente teve início sobretudo na década de 1980, basicamente nos mesmos países europeus. Depois do fim do império soviético, alguns países saídos da então chamada Cortina de Ferro, no Leste europeu, também construíram suas direitas em tons mais extremos, como a Hungria, a Polônia e a Romênia. Sem ir muito adiante nos exemplos, quero dizer claramente que já há algumas décadas o mundo está outra vez chocando o ovo da serpente como no início do século XX. 

As coisas agora, porém, estão mais complicadas. No livro Os Engenheiros do Caos, Giuliano Da Empoli mostra como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio e medo com a finalidade de influenciar eleições. Os exemplos levantados pelo autor são contundentes: através das redes sociais, políticos inexpressivos, popularescos e com um certo ar histriônico vencem eleições importantes e, pouco a pouco, vão tomando de novo a cena política. Existe algo dos anos 1930 no ar, por mais estranho que isso possa parecer a alguns. 

Creio que, no caso brasileiro, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 seja um exemplo de como a engenharia do caos, movida pelas poderosas redes sociais, criou o ambiente necessário para a eleição disruptiva que todos vimos. Estávamos pouco acostumados com a enchente de informações distorcidas que inundaram nossas vidas a partir de meros aparelhos de telefone celular e de computadores domésticos.  

As ameaças, porém, foram potencializadas pela eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos da América em 2016, trazendo na garupa fenômenos   semelhantes que ocorreram em diversos países. A extrema direita passou então por enorme crescimento em termos globais. A cena política dos Estados Unidos influencia, por cópia e por articulações de interesses, inúmeros países mundo afora. Todos nós vimos isso acontecer, com o mundo caminhando na direção dos extremismos. Jair Bolsonaro só perdeu a eleição no Brasil em 2022 por suas fragilidades como ator político, mas a direita continua forte entre nós. 

A nova chegada de Donald Trump ao poder em 2025 reafirma velhos temores: teremos tempos difíceis nos próximos anos. Suas espantosas declarações entre a eleição e a posse, além dos atos anunciados para o início de gestão, não deixam dúvidas sobre sua enorme capacidade destrutiva, seu potencial de espalhar o mal. Pior de tudo, convocou como conselheiros Elon Musk e Mark Zuckerberg, senhores das grandes redes sociais que nos invadem todo dia. 

Trump vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para liberar o espaço de ação das redes sociais sem qualquer tipo de limite por parte dos governos e das sociedades nacionais. A falta de controle das redes é uma ameaça, pois nelas poderão transitar todo tipo de mensagens e notícias. As redes sociais são o lugar da política hoje, valem mais que partidos ou articulações governamentais, daí sua potência. As guerras contemporâneas nascem do ódio que as redes disseminam. Poucas coisas no mundo têm mais poder do que elas.  

Com Donald Trump e seus aliados dominando a cena nos próximos anos, teremos certamente muitas ameaças em andamento. O mundo vai passar a caminhar com velocidade na direção que começou a ser traçada há quase quarenta anos. Serão tempos difíceis para aqueles que amam a democracia, a igualdade e a paz. 

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Uma resposta para “Tempos difíceis”.

  1. Avatar de vibrantea11e3b9f7
    vibrantea11e3b9f7

    João Como todos estou assustado com a posse do Trump, cujo começo será um tranco muito difícil, menos por algumas medidas que ele vem anunciando (Groelândia, Canadá, Canal do Panamá), que me parecem cortinas de fumaça, como pelas medidas extremas que ele deverá tomar em alguns temas. A sua geopolítica pode fazer o mundo retroceder várias décadas. Os dramas de grupos como os imigrantes serão pungentes. As redes sociais terão grande e malévola importância, e o livro Os Engenheiros do Caos dá bem a medida da capacidade de manipulação que ele terá. Acho que a democracia americana pode de fato vir a correr riscos, já que até o chefe do Secretário de Defesa será um tresloucado alcoólatra e predador sexual. Nunca devemos esquecer que a Argentina resolveu invadir as Malvinas num porre do Galtieri. Por outro lado, a célebre frase “É a economia estúpido” continua mais válida do que nunca, como a sua frase equivalente em português “E afinal, o que é que a Maria leva”. A tese do “Make America Great Again” não vai reverter a ascenção da China e manter os Estados Unidos na liderança disparada que era, os produtos americanos são bem mais caros que muitos importados, e ainda não sabemos quais serão os efeitos de tudo isso no médio prazo na economia americana. Por exemplo, se um americano de classe média não puder mais contratar um mexicano para fazer diversos serviços, de domésticos a conserto de automóveis, quanto pagará a mais para que um americano faça o mesmo serviço? Se um produto chinês tiver uma sobretaxa que torne sua importação possível, quanto o produto americano que o substituirá custará a mais? Qual será o impacto disso tudo na economia, em termos de crescimento e inflação? Serão tempos certamente turbulentos, mas os resultados disso só serão conhecidos dentro de 4 anos, nas próximas eleições. Abs

    Carlos Roxo carlosroxo170507@gmail.com Celular /Whatsapp – +55 21 98207-7955

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