A identidade da direita brasileira

Por João Gualberto e Maria Vitória Rodrigues

Até as eleições de 2018, os brasileiros confundiam a política tradicional, sobretudo a fisiológica – aquela que é feita através de favores e assistencialismo – com direita. A imprensa considerava políticos como Paulo Maluf de direita, como sendo a expressão do nosso conservadorismo. Hoje esse conceito mudou. E mudou muito.

Vários elementos estão presentes nessa trajetória de mudanças. Um dos mais relevantes, é o surgimento de uma extrema direita mundial, muito forte hoje na Europa. Isso impactou fortemente a nossa realidade eleitoral. Sobremaneira importante para isso foi a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, pelo caráter de impactar os brasileiros que tem a grande nação Norte-Americana. Trump passou a ser um modelo a ser seguido e admirado. É muito claro que o presidente Bolsonaro se alimenta muito nesse imaginário instituído nos Estados Unidos.

Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos.

Hoje existe no Brasil uma outra compreensão do que seja a direita, o pensamento conservador. Temos nas militâncias a noção clara de um pensamento conservador.  Ele tem forte base no cristianismo, sobretudo o evangélico, mas não apenas. Há um catolicismo brasileiro conservador e de direita que também é muito forte.

Esses novos setores se enxergam como conservadores, e se orgulham disso. Ou seja, existe hoje um fato novo a ser levado em conta na política: um coletivo que se reconhece em princípios e que se identifica com eles. Podemos chamar esse novo elemento de Identidade Coletiva de Direita. É nesse coletivo identitário que a Nova Direita capta os seus votos hoje. A militância desses grupos se dá sobretudo nas redes sociais. A nova direita brasileira se expressa nas redes sociais e existe sobretudo nelas.

O que dá coesão a esse segmento político, é o conjunto de princípios que devem ser respeitados e valorizados. Na verdade, a direita brasileira acredita que ela trouxe a essência da democracia para o jogo da política através das redes sociais e das manifestações públicas, pois criou o contraditório, a disputa no campo das ideias. Isso é visto por esse público como uma boa contribuição para o debate das ideias. Há uma busca frequente deste debate, até mesmo de forma ostensiva e sem dificuldades de mostrar certa agressividade.

Nesse campo ideológico, há uma valorização da atividade política, ao contrário do distanciamento mais comum no restante da população. Quem proporcionou em grande parte a emergência social dessa lógica política, e fez isso com maestria em 2018 foi Jair Bolsonaro. O atual presidente conseguiu organizar em uma plataforma eleitoral o que estava disperso em mentes isoladas. Para isso construiu uma coalizão que teve no mundo das armas, nos evangélicos e no agronegócio fortes bases. A manutenção dessa coalizão tem sido um grande desafio para a liderança de Bolsonaro na direita conservadora. Tem lhe custado um exercício permanente de superexposição e pode produzir algum cansaço.

Jair Bolsonaro, então Deputado Federal, protestando contra o “kit gay”.

Nesse contingente que tem uma identidade clara, o que mais conta é a pauta conservadora dos costumes, cujo grande pilar é o conceito muito tradicional da família. Para sustentar esse princípio de defesa da família é importante o combate as seguintes pautas: aborto, “ativismo gay”, educação sexual nas escolas, as questões de gênero e que tem nexo nessas significações imaginárias sociais.

Para entendermos a força e a resiliência da campanha de reeleição do Presidente Bolsonaro, que resiste aos erros de marketing do agora candidato, é fundamental compreendermos a magnitude desse processo e da importância da construção mitológica. Ela une todas as tendências internas na direita, embora esbarre fortemente nas mulheres, sobretudo nas mulheres pobres evangélicas. Esses são os paradoxos dessa coalizão conservadora, impensável décadas atrás, mas o motor político do Brasil que estamos construindo.

Artigo publicado originalmente no Jornal ES Hoje, no dia 07 de setembro de 2022.

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3 respostas para “A identidade da direita brasileira”.

  1. Avatar de Gilson
    Gilson

    Gostei do artigo. Merece um livro, devido à forma como trata o tema.

  2. Avatar de Jaquelini Del Puppo
    Jaquelini Del Puppo

    Excelente texto!!!

  3. Avatar de Rita de Cássia Maia S. Costa
    Rita de Cássia Maia S. Costa

    Reflexão atenta e pertinente dos pilares da vida política brasileira contemporânea, com destaque para o conservadorismo que emerge entre diferentes camadas da vida social. Parece-me uma tentativa bem- sucedida de explicar a absurda polarização que assola o país.

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