Roberto DaMatta e a carnavalização da política

Por João Gualberto

Conheci pessoalmente o grande pensador brasileiro Roberto DaMatta quando fazia meu doutoramento em Paris, nos anos 1980. Na verdade, soube de sua presença na cidade para palestras sobre sua Teoria do Brasil, e o procurei para uma conversa. Essa conversa gerou outras, e acabou gerando uma amizade que já dura mais de 30 anos.

Além da sólida amizade, trabalhamos juntos em um projeto para o DETRAN-ES sobre igualdade no trânsito. A partir dele fomos – Ricardo Pandolfi e eu – parceiros em um dos muitos livros:  Fé em Deus e Pé na Tábua: Como e por que o trânsito enlouquece no Brasil. O trabalho, no fundo, faz uma interpretação do impacto da cultura de uma sociedade que não é igualitária no dia a dia das cidades, a partir de um olhar antropológico alicerçado em vastas pesquisas conduzidas pela Futura em todo o nosso estado.

Ao longo de todos esses anos, tenho utilizado dos conceitos damattianos, de sua vasta produção intelectual e do seu olhar muito denso dos elementos que nos tornam brasileiros, que fazem do brasil Brasil, nome de um de seus livros. Entre esses conceitos chaves, utilizei no meu livro A Invenção do Coronel: Raízes do Imaginário Político Brasileiro o de “carnavalização”.

Festa de Carnaval.

Através desse conceito, tento entender um dos processos mais profundos da nossa sociedade, a sua tendência a transformar em festas próprias do carnaval situações que não pertencem a esse período específico do ano. Por exemplo, a Copa do Mundo transforma-se em um grande carnaval nas ruas, com as suas músicas e suas fantasias, lembrando um vago patriotismo de ocasião e suas naturais tendências ao excesso nas bebidas, e na inversão da ordem natural da vida social.

Quero lembrar que nossa política também é carnavalizada. Não era assim na velha república, nos tempos dos coronéis, onde tudo era muito formal. Um mundo masculino metido em terno e gravata, de comportados chapéus pretos. Mas, quando se instalou o populismo na Era Vargas, nos distantes anos 1940, e começou a inclusão das massas na política esse fenômeno apareceu. Para não irmos muito longe, houve um tempo em que os comícios viraram shows com artistas famosos. Eram os showmícios que atraíram multidões. Depois muito artistas, como Tiririca, foram eles mesmos para o campo eleitoral, e carnavalizaram suas aparições nos vídeos.

Agora temos um outro momento desse mesmo fenômeno sociológico, um pouco mais denso, com um sentido mais cívico e mais profundo, além possuírem um corte claramente autoritário. São as manifestações da extrema direita brasileira. Elas já começaram antes das eleições de 2018, atravessaram os quatro anos da gestão Bolsonaro, atravessaram pontes de avenidas nesse período, e chegaram agora na frente de inúmeras instituições militares.

Manifestação pró-Bolsonaro, realizada em 2022.

Esse traço tão presente na cultura brasileira, as manifestações ruidosas e com pessoas vivendo fora de seu cotidiano, exibindo com vigor suas convicções de forma teatralizada veio para ficar. É a versão atual de um elemento estrutural na nossa cultura política. Viveremos com esses fatos por longos anos ainda.

Artigo publicado originalmente no Jornal ES Hoje, no dia 29 de dezembro de 2022.

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2 respostas para “Roberto DaMatta e a carnavalização da política”.

  1. Avatar de João Euripedes Franklin Leal
    João Euripedes Franklin Leal

    Muitíssimo interessante e verídica é a Carnavalização da Política. Um fato muito próprio da sociedade brasileira. Talvez a forma vazia de conteúdos e de propostas concretas usada pelos políticos para comunicarem com o eleitorado já não faziam efeito para empolgar os brasileiros foram, festivamente substituído pelo showmício. Evidente que está prática teve seu início no passado certamente terá em um futuro seu fim quando se auto-esgotará.

    Enviado do meu iPhone

  2. Avatar de carlosroxo170507@gmail.com
    carlosroxo170507@gmail.com

    EXCELENTE. MUITO BOM.

    Abs

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