A revolução dos idosos

Por João Gualberto

A imprensa brasileira e as redes sociais todas chamaram muito a atenção para a forte presença de pessoas mais velhas nos acampamentos que foram mantidos diante dos quartéis do exército entre o fim das eleições e o fatídico dia 08 de janeiro. Não por acaso, foi a única vez há história mais recente do mundo em que a revolta vem dos mais velhos

Entretanto, esse fenômeno da participação política recente de pessoas mais velhas na cena política é muito mais amplo do que o das manifestações em si mesmo. Diz respeito ao tecido social com que se construiu a direita em todo o mundo, a partir dos primeiros anos do século XXI. A comunicação digital foi ganhando muito força, até dominarem quase que com exclusividade o processo de formação de opinião. A produção das informações que alimentam a produção de opiniões e a construção das ideologias migrou para as redes sociais.

Elas passaram a ser o lugar da política, em especial o lugar de expressão das novas direitas que foram surgindo no mundo globalizado. Desde a primavera de abril de 2011, as grandes manifestações brasileiras de 2013 até as eleições brasileiras e americanas de 2016 e 2018, tudo passou a acontecer a partir dos espaços digitais. Não podemos esquecer o Brexit.

Manifestantes na Praça Tahrir, Cairo, no dia 1 de fevereiro de 2011. Fonte: IstoÉ.

Esse é o ponto de partida. O lugar da política são as redes sociais, é nelas que tudo acontece. Toda uma estratégia ousada foi montada pelos grandes formuladores das novas direitas globais, como o americano Steve Bannon. Nessa estratégia de construção da desinformação de forma metódica e sistemática, quanto mais analógica for a pessoa, mas visada ela é. Existem obviamente dentro das novas direitas muitos jovens, isso é inegável. 

Mas o foco mais intenso da conversão para um ideário conservador, seu centro vital, são, sem dúvida, os mais velhos. Não são capazes de reconhecer montagens mais grosseiras e caem nas fake News com bastante boa fé, ingenuidade mesmo. Assim, foi montada uma estratégia perversa de converter os valores naturalmente mais conservadores dos mais velhos em ideais de manutenção de práticas sociais que estão esgotadas. O retorno a um passado que os encanta é a tônica do processo.

No caso brasileiro, fala alto a ordem que os militares poderiam garantir com um retorno de um regime forte, garantidor de segurança contra os perigos do mundo. A globalização que rouba empregos no ocidente é sintetizada no tal globalismo, no comunismo e mesmo marxismo cultural. Há demônios soltos e somente a força da ordem, uma tirania dos seres humanos do bem, daria cabo desses inimigos terríveis. Os mais velhos é que entendem desse passado idílico, logo ganham grande espaço nesse retorno aos tempos de ouro. 

Bolsonaristas caminham do acampamento do QG do Exército até a Praça dos Três Poderes no dia 08 de janeiro de 2023. Fonte: Sergio Lima/Poder360.

Esse novo formato de política feita pelos cabeça brancas analógicos, dependentes das redes de WhatsApp como única fonte de informação, extremamente crentes em suas verdades precárias é que movimentou com densidade – embora não com exclusividade – os movimentos mais radicais brasileiros dos últimos quatro anos. Esse contingente está aí, só crê nos seus celulares e naquilo que fortalece seus princípios. É um nó para desatarmos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, baseada em valores democráticos.

Artigo publicado originalmente no jornal A Gazeta no dia 11 de fevereiro de 2023.

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2 respostas para “A revolução dos idosos”.

  1. Avatar de ADROALDO NOBREGA FONSECA
    ADROALDO NOBREGA FONSECA

    João, seus textos e perspectivas de observação, de um estudioso atento, nos leva para boas reflexões sobre a realidade subliminar…
    Muito bom!

  2. Avatar de Helder Paulo Carnielli

    A perguntar que devemos fazer aos cabeças brancas, aos manipuladores dos viés políticos de plantão e os da calada da noite, para sermos claros e fora do analogismo pragmático citado no texto acima. Qual é o sol que queremos buscar para estes novos tempo?

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