Por João Gualberto
Todos os que viveram, de forma ativa ou não, as grandes manifestações que movimentaram o Brasil em 2013, bem se lembram da sua importância política e social. Delas derivaram um clima que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, à amplitude da repercussão social da operação lava jato, à expansão da importância política das redes sociais que já vinham ocorrendo em todo o mundo. Finalmente, também implicaram na desqualificação da política tradicional e na eleição de Bolsonaro, e no crescimento da extrema direita entre nós. Paradoxal, mas verdadeiro.
Não estou querendo argumentar que as manifestações de junho de 2013 produziram tantas modificações na sociedade brasileira de forma mecânica e automática. A realidade e muito mais complexa do que isso. Os fenômenos interagem entre si. Vamos pensar nas redes sociais, sem as quais elas não teriam a importância que tiveram. Um exemplo: o facebook foi criado em 2004 e em 2012 chegou a 1 bilhão de usuários e a 2 bilhões de usuários 5 anos depois. Vou ficar nesse exemplo para fortalecer a ideia da força de uma nova mídia. Isso não havia até então. Uma força social jamais vista na história da humanidade.
A imensa capacidade de convocação das redes sociais, permitiu antes do fenômeno brasileiro de 2013 que estou analisando, que o mundo conhecesse sua força na construção da Primavera Árabe em 2010. O movimento foi iniciado na Tunísia e depois chegou no Egito e se espalhou em inúmeros países da região, todos mergulhados na tirania e na enorme desigualdade social. Além disso, em 2011 tivemos o Ocupa Wall Street. Movimento parecido também ocorreu em Barcelona no mesmo período histórico. Todos com uma matriz muito parecida. Todos construídos fora do sistema político tradicional.
Em 2013, no Brasil, as redes sociais dominaram a convocação. Foi nosso primeiro movimento de massas sem uma liderança evidente. Lembro bem que no caso de Vitória cerca de 100 mil pessoas participaram de uma imensa passeata que se iniciou em frente à UFES e foi até à praça do pedágio na terceira ponte. Sem um partido à sua frente, sem um líder montado em carro de som. Era um fenômeno de outra densidade e de outro teor político. Havia um anonimato que valorizava o cidadão comum, que tirava das lideranças políticas o valor e a força daquela ação.
Quem se apropriou logo dessa nova tendência, dessa nova capacidade de convocação, foram lideranças que depois se organizaram na extrema direita brasileira. Esse movimento empoderou Bolsonaro. Seus filhos seguindo a receita de Steve Bennon, o grande articulador da ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, dominaram as redes sociais. Elas tornaram-se no lugar da direita alarmista. Elas tornaram-se o lugar de um tipo de contestação da ordem vigente até então inimaginável.
Meu argumento de fundo é o de que as manifestações de junho de 2013, vistas com 10 anos de recuo, foram o ponto de inflexão do nosso processo político. Transformaram o que estava latente, em realidade. Produziram um novo lugar na política. Sepultaram o velho naquele instante. A nova direita brasileira surgiu daí. Não existiria sem essa enorme manifestação de descontentamento. Implantou-se solidamente nas redes sociais e produziu um presidente em 2018. Hoje é uma força atuante no parlamento nacional, onde mostra um enorme poder, como podemos ver todos os dias. São também responsáveis por muitas gestões estaduais. São fortes e nada sinaliza para a perda de poder nos próximos anos.
Artigo publicado originalmente no jornal A Gazeta no dia 03 de junho de 2023.

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