Nossas esquerdas

A renovação política brasileira se torna essencial diante das novas demandas sociais e da ascensão de forças políticas à direita.

Ficou bem clara a consolidação de uma certa direita mais moderada nas eleições municipais de 2024, em muitos casos com inflexões para o centro. Podemos citar, por exemplo, o PSD do prefeito reeleito em primeiro turno no Rio de Janeiro, Eduardo Paes. O partido é dirigido nacionalmente pelo astuto Gilberto Kassab, outro grande vencedor no processo deste ano, pela enorme quantidade de prefeituras que foram conquistadas.

Kassab aparece agora como o ponto de referência política mais sólido no governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, e certamente um dos articuladores mais importantes na construção de uma provável candidatura do republicano à presidência da república. Aliás, os republicanos viram crescer sua base de apoio ao governo estadual e também no quadro partidário nacional. Enfim, os partidos de centro-direita saíram fortalecidos no seu processo de construção de uma candidatura nacional  para as eleições de 2026.

O PP e o União Brasil também viram crescer suas bases de apoio e o número de prefeituras que governam em todo o Brasil, sobretudo em localidades onde se concentram suas bolhas de eleitores, como no agronegócio. O PT, a maior sigla da esquerda brasileira, também teve o número de prefeituras aumentado, mas viu crescerem e se consolidarem a direita e o centrão. Merece atenção, sobretudo, a inexistência de uma nova geração de líderes em meio ao que poderíamos chamar de esgotamento do ciclo político de Lula em seu partido.

Entretanto, mesmo diante dessa constatação, fica claro que o Partido dos Trabalhadores vem enfrentando dificuldades em se conectar com novas demandas do eleitorado. As mudanças ocorridas no mundo em que vivemos, seguramente, não estão vinculadas ao discurso das reivindicações trabalhistas que tanto marcaram a trajetória da sigla.

Quem faz uma importante análise desse universo político contemporâneo é o sociólogo Jailson de Souza e Silva, em particular em Bruxas & Bruxos da Cidade: personagens da revolução do contemporâneo. O autor analisa, nessa obra, o modo como a sociedade atual constrói o lugar dos novos atores e as suas expectativas.

Temos nesse novo universo a potência, por exemplo, que as questões raciais adquiriram no mundo contemporâneo. Desde o início desses movimentos, de forma mais orgânica e organizada, no fim dos anos 1960 – com a presença simbólica de líderes mundiais como Martin Luther King Junior – até os dias de hoje, muitas lutas e vitórias foram conquistadas. Por mais que ainda estejamos em um mundo desigual e fortemente marcado pela presença de um desejo de supremacismo branco, o fato é que muita coisa mudou.

O mesmo podemos dizer da condição feminina, já que também vimos crescer o patamar de reivindicação das mulheres, assim como de suas grandes conquistas nos últimos 50 anos. Muitos outros movimentos também cresceram ultimamente, como os ligados ao universo LGBTQIAPN+ e aos povos originários. Deve-se ponderar, contudo, que a forma de esses movimentos se organizarem não os enquadra nos partidos políticos tradicionais e muito menos em reivindicações trabalhistas.

Não estou querendo negar que os partidos nascidos nas matrizes mais racionais, econômicas e até mesmo conservadoras, em termos de comportamento, desempenharam importante papel na trajetória histórica dessas lutas, e nem é disso que estou falando. O que me parece evidente é que esses novos atores e suas demandas contemporâneas precisam de novos abrigos institucionais e partidários. É justamente aí que entram os raciocínios políticos que sinalizam para a necessidade da construção de uma esquerda renovada no Brasil.

A direita está conseguindo consolidar sua posição no cenário nacional, e é bom que as pessoas que concordam com essas ideias tenham sua representação. Só não podemos correr o risco de viver num país em que a direita domine tudo, pois essa situação poderia rapidamente se transformar em uma tirania. Toda tendência que opera sozinha no espaço político caminha para asfixiar seus opositores. Já vimos isso acontecer à direita e à esquerda nos últimos tempos, da Alemanha Nazista à União Soviética.

Por todas essas razões que elencamos, ainda que rapidamente, concluímos que a esquerda brasileira precisa sair do lugar de representação política em que hoje se encontra. Os velhos partidos precisam dar passagem para os novos personagens do campo da política e os novos atores do mundo contemporâneo precisam estar representados à altura de sua importância.

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5 respostas para “Nossas esquerdas”.

  1. Avatar de Carlos Roxo
    Carlos Roxo

    Muito boa análise, mas acho que há uma conexão que não foi analisada que é a entre a Esquerda e a pauta das classes pobres, que são a maioria no país (50% da população recebe até 1 SM e 75% até 2. Essas camadas, em grande parte abrigadas em favelas, hoje renomeadas comunidades, tem demandas muito específicas e básicas como maior segurança, acesso aos serviços de saúde públicos e acesso ao ensino público, que são deploráveis. É claro que todos gostam do dinheiro para comer uma picanha e uma cervejinha no domingo (bandeira do Lula), mas antes disso querem ter essas demandas básicas atendidas. A “picanha e a cervejinha” são pautas importantes para os sindicalizados, que querem ter seus salários aumentados, mas não são prioritárias para os mais pobres. E “segurança, saúde e educação” não são pautas de partidos como o PT, que estão mais preocupados em evitar os morticínios das forças policiais (preocupação legítima), mas ficam nisso e não agem para que isso não aconteça, como através de uma política de segurança como a americana; e defender os salários dos médicos e professores sem incluir na pauta os retornos que estes mesmos dão à sociedade. Essas camadas estão progressivamente incluindo questões como racismo e misogenia em suas pautas, mas está vários níveis abaixo das demandas por serviços eficientes nas áreas de segurança, saúde e educação. O sentimento de empreendedorismo, por exemplo, algumas vezes comentado neste blog, é verdadeiro, mas é na maior parte dos casos associado a uma educação de qualidade. Porque é que as Universidades Federais são consideradas melhor dos que as Particulares? E porque os que podem pagá-las não o fazem (e os partidos de esquerda defendem este privilégio) ? E porque as Escolas Particulares dos Ensinos básico e fundamental são muito melhores do que as públicas, o que cria um funil que reduz a capacidade dos alunos da rede básica e fundamental de terem melhores possibilidades de acesso às Universidades?

  2. Avatar de Carlos Roxo
    Carlos Roxo

    João Deixei no blog o comentário abaixo: Muito boa análise, mas acho que há uma conexão que não foi analisada que é a entre a Esquerda e a pauta das classes pobres, que são a maioria no país (50% da população recebe até 1 SM e 75% até 2. Essas camadas, em grande parte abrigadas em favelas, hoje renomeadas comunidades, tem demandas muito específicas e básicas como maior segurança, acesso aos serviços de saúde públicos e acesso ao ensino público, que são deploráveis. É claro que todos gostam do dinheiro para comer uma picanha e uma cervejinha no domingo (bandeira do Lula), mas antes disso querem ter essas demandas básicas atendidas. A “picanha e a cervejinha” são pautas importantes para os sindicalizados, que querem ter seus salários aumentados, mas não são prioritárias para os mais pobres. E “segurança, saúde e educação” não são pautas de partidos como o PT, que estão mais preocupados em evitar os morticínios das forças policiais (preocupação legítima), mas ficam nisso e não agem para que isso não aconteça, como através de uma política de segurança como a americana; e defender os salários dos médicos e professores sem incluir na pauta os retornos que estes mesmos dão à sociedade. Essas camadas estão progressivamente incluindo questões como racismo e misogenia em suas pautas, mas está vários níveis abaixo das demandas por serviços eficientes nas áreas de segurança, saúde e educação. O sentimento de empreendedorismo, por exemplo, algumas vezes comentado neste blog, é verdadeiro, mas é na maior parte dos casos associado a uma educação de qualidade. Porque é que as Universidades Federais são consideradas melhor dos que as Particulares? E porque os que podem pagá-las não o fazem (e os partidos de esquerda defendem este privilégio) ? E porque as Escolas Particulares dos Ensinos básico e fundamental são muito melhores do que as públicas, o que cria um funil que reduz a capacidade dos alunos da rede básica e fundamental de terem melhores possibilidades de acesso às Universidades? Carlos Roxo carlosroxo170507@gmail.com Celular /Whatsapp – +55 21 98207-7955

  3. Avatar de bethpolido
    bethpolido

    Caro João

    Apreciei sua análise sobre a situação política no Brasil, especialmente no que diz respeito à emergência de uma direita mais moderada e a necessidade de renovação na esquerda. É um momento crucial para refletirmos sobre como as demandas sociais estão mudando e como os partidos, especialmente o PT, têm respondido a essas transformações.
    Vejo que a ascensão de partidos como o PSD e o fortalecimento de lideranças dentro da direita sinalizam uma reconfiguração do espaço político, o que pode ser uma oportunidade para a esquerda repensar sua abordagem. A desconexão entre os partidos tradicionais e as novas reivindicações — como questões raciais, de gênero e direitos das minorias — é alarmante e mostra a necessidade de evolução na forma como a esquerda se apresenta.
    Acredito que a renovação não deve se limitar à troca de figuras, mas também à maneira como entendemos e dialogamos com a sociedade. O desafio é criar um espaço inclusivo que represente as diversas vozes e preocupações da população, garantindo que todos os grupos se sintam ouvidos e valorizados.
    Além disso, concordo que a polarização é um risco que precisamos evitar. É essencial que a esquerda encontre formas de unir essas novas lutas com as tradicionais, evitando que a democracia se torne um campo de batalha entre extremos que apenas aliena o eleitorado.
    Estamos em um momento em que a política pode ser uma força transformadora, e é fundamental que a esquerda não só se adapte, mas também lidere uma conversa que integre essas novas demandas.

    Obrigada por me fazer refletir ainda mais sobre esses pontos 🙏🏻

  4. Avatar de Denise
    Denise

    Lembrando que o PT foi o partido que sempre se preocupou com comida no prato (bolsa família,…), acesso universal à saúde (UBS, Samu,…) e educação (Ifes,…), e foi também quem se ocupou da habitação (minha casa, minha vida, apoio ao RS,…), espero que a nova geração da esquerda mantenha-se, também, firme na defesa dos direitos previstos na Constituição e nunca se aproxime do entreguismo dos governantes de centro e de direita.

    Força, Esquerda Brasileira!!

  5. Avatar de bethpolido
    bethpolido

    Olá Carlos ,

    Carlos, você destaca um ponto essencial ao falar sobre a desconexão da esquerda com as demandas das classes mais vulneráveis. No entanto, precisamos ter cuidado ao analisar a situação atual do Brasil. O texto do João enfatiza que, embora a esquerda enfrente desafios significativos, a ascensão da direita não é apenas uma questão de competição política, mas um risco real para a democracia.

    Quando observamos o fortalecimento de partidos de direita e centro-direita, como o PSD e o papel de figuras como Gilberto Kassab, é evidente que essa tendência pode resultar em uma homogeneização do poder, onde a pluralidade de vozes e perspectivas é sufocada. Uma dominação da direita, como já vimos em outros momentos da história, pode levar a um cenário de autoritarismo, onde as liberdades civis e os direitos sociais ficam em risco.

    É nesse contexto que a esquerda precisa se reinventar e estabelecer um diálogo verdadeiro com as novas demandas sociais. O esgotamento das lideranças tradicionais e a dificuldade de se conectar com movimentos emergentes — como os relacionados a questões de raça, gênero e direitos LGBTQIAPN+ — são indicadores claros de que a renovação é urgente.

    Devemos, portanto, trabalhar para construir uma esquerda que não apenas se reposicione em relação às suas raízes, mas que também abrace as lutas contemporâneas, criando uma coalizão ampla que possa contrabalançar o poder crescente da direita. A diversidade de demandas sociais é um ativo poderoso e, se a esquerda não conseguir representá-las de forma eficaz, corremos o risco de permitir que uma única visão de mundo prevaleça, o que é perigoso para a democracia e a justiça social.

    um abraço

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