Por João Gualberto
O Tempo e o Vento é um épico de Érico Verissímo. Trata-se de um dos romances mais importantes do autor, e grande sucesso junto ao público. Além de inúmeras reedições do livro, no ano passado, foi lançado um filme com o mesmo nome do romance, dirigido por Jayme Monjardim. O filme também foi exibido como uma espécie de minisérie em três capítulos na TV Globo. Trata-se, na verdade, da adaptação para as telas de O Continente primeiro livro de uma série três. Aliás, já existe outro filme dos anos 1980 de bastante sucesso e uma minesérie de 1985 na mesma TV Globo, mas muito mais longa, com vinte e cinco capítulos.

Cena do filme de Jayme Monjardim, de 2013: na verdade, uma adaptação para as telas de O Continente, o primeiro da série de três.
Explica-se o interesse maior pelo primeiro livro da série, pelo fato dele ser o mais denso historicamente. Publicado pela primeira vez em 1949, O Continente retrata a história do Rio Grande do Sul entre 1745 e 1945 sob o ponto de vista da família Terra Cambará. A história se inicia ainda no território das missões quando uma índia violentada e muito ferida chega ao território. Ela morre em consequência dos ferimentos, mas dá a luz a uma criança que se chamaria Pedro e que dá origem a uma família cuja história se confunde com a do Rio Grande do Sul.
Pedro engravida Ana Terra e seu filho vai ser crescer em um povoado que estava sendo criado e que se chamou Santa Fé, cidade fictícia em torno da qual todo o romance se passa. Neste povoado brilha anos depois um certo Capitão Rodrigo Cambará, que se casa com a neta de Ana Terra. Destemido e de comportamento valente, ele espelha bem o personagem típico da época no romance.
O mundo descrito pro Érico Verissimo é inóspito, cheio de perigos e vive em um clima de guerras constantes. Afinal, trata-se de uma região em que o mundo que os portugueses criaram na América faz fronteiras e se rivaliza de forma permanente com o território espanhol em nosso continente. Este clima permanente de tensão e desafios dá origem a uma sociedade rústica em seu tempo e com características culturais muito próprias.

Raros são os livros que conseguem de forma tão clara, e com um texto da mais alta qualidade, mostrar as entranhas de nosso sistema social. Ele nos dá elementos para refletir sobre a origem de elementos de nossa cultura, mais especificamente e de como se foi estruturando no Brasil as possibilidades de construção de uma cultura política autoritária, elitista e que só inclui o povo de forma lateral. Mesmo nas guerras por todos disputadas os heróis são poucos e sempre pertencem às famílias dos proprietários de terra. Vemos na obra o surgimento de um certo coronelismo com cortes caudilhistas, com lugar muito especial para o discurso heróico. A violência é a marca das relações sociais e a ausência de limites um elemento que ajuda a instituir uma certa cultura política.
Mas, se o sucesso de grande público é sobretudo o primeiro livro da série, os dois seguintes, O Retrato e O Arquipélago são igualmente geniais. Eles mostram os desdobramentos na estrutura do poder dos comportamentos herdados da Colônia e do Império e como foi se consolidando um padrão de comportamento coletivo que em tudo favoreceu a construção de uma sociedade machista e excludente, onde o universo feminino é secundário e quase de segunda classe e o impulsos masculinos mais selvagens ganham a cena como os que definem o mundo. Mas, se esta característica construída historicamente marca o romance gaúcho, ele também retrata bem o conjunto da sociedade brasileira, igualmente desigual e excludente, onde negros, pobres e mulheres tem uma espécie de cidadania de segunda classe.
Não por acaso o personagem dos dois últimos livros tem o mesmo nome de seu antepassado: Rodrigo Cambará. Mas, ele é médico formado em Porto Alegre, bem cultivado e de hábitos sofisticados. Consumidor do pensamento positivista, da música clássica tocada em seu gramofone e de todos os modismos do inicio do século XX. Mas, dentro dele habita o passado, o heroísmo que agora aparece por sua opção pelas revoluções políticas como a de 1923 no Rio Grande do Sul ou a de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder.
Este comportamento valorizado do heroísmo na construção do poder local se soma às demandas de modernidade do sistema econômico com a industrialização e ainda as inovações que invadiram a vida urbana no tempo dos automóveis e da energia elétrica. O novo tipo é híbrido, tem o passado articulado às novas necessidades. Nossa cultura política produz atores sociais que mesmo em busca do novo tem o coração enterrado no passado. São nossos homens de poder, tão modernos e tão retrógrados ao ao mesmo tempo. Tão coronéis.


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