A maior tragédia climática que presenciei no Espírito Santo, foram as enchentes que ocorreram em 1979, nessa mesma época do ano. Baixo Guandu, Linhares e Colatina, no Vale do Rio Doce, foram as cidades mais atingidas. Mas as enchentes também chegaram a bacia do Rio Itapemirim, atingiu cidades como Cachoeiro e Castelo.
Carie Lindenberg dedicou um de seus livros, Pingos e Respingos de 2005, à descrição da tragédia. Mas, ele trouxe à luz também a enorme rede de solidariedade que se construiu em torno do episódio. É dessa época a frase memorável do nosso então Arcebispo, Dom João Batista: só o povo salva o povo. Em 2013, quando fortes chuvas também se abateram sobre nós, mais uma vez lá estava a população capixaba disposta ajudar, sendo solidária com os atingidos.
Nesse momento, vivenciamos mais uma vez o mesmo processo. Aí estão as fortes chuvas, o despreparo das cidades para lidar com elas, os alagamentos, os desabrigados, a dor. Mas também aí estão os voluntários, os abnegados de sempre com suas redes de ajuda. Nesses momentos trágicos surge sempre essa solidariedade forte, que também é marca desses eventos trágicos.
Nós brasileiros não temos muito desenvolvido o amor próprio. Não nos elogiamos como povo. Antes pelo contrário, gostamos de nos menosprezar e de nos sentir menos potentes do que somos. Isso me parece injusto. Acho que nossa solidariedade nasce do mundo dos pobres, daqueles que não tem ao seu lado um Estado potente e preparado para ajudar a vencer as dificuldades do dia a dia. Existem redes inteiras de ajudas coletivas. As igrejas trabalham muito esse elemento.
Acredito que, sem o sentimento de solidariedade e de compartilhamento, a vida dos desfavorecidos pela fortuna no Brasil seria muito mais dura. Nossas redes de solidariedade nascem desse sentimento profundo, se alimentam nesse imaginário das dificuldades compartilhadas. Por isso a vida se faz possível um em universo de carências. Assim temos nosso sentido de coletividade alimentado. Assim somos brasileiros. Assim somos capixabas. Solidários.
João Gualberto
[1] O autor é Doutor em Sociologia Política, Professor Emérito as Universidade Federal do Espírito Santo e Diretor da Saber Capixaba.